quarta-feira, 13 de julho de 2011

Motor Hemi: uma lenda viva, e como!


A origem dos motores Hemi, na aplicação automotiva, remonta a década de 50 nos Estados Unidos, quando seu fabricante Chrysler ganhava muita notoriedade nas competições com estes propulsores. 

O nome Hemi vem da abreviatura de hemispheric (hemisférico), que representa o formato da câmara de combustão. Esta tecnologia, então exclusiva da Chrysler, representava um grande avanço na engenharia dos motores, pois proporcionava uma melhor queima e aproveitamento da mistura ar-combustível, o que se traduzia em mais eficiência (potência específica).

Porém, a verdadeira história dos Hemi tem origem na operação aeronáutica da Chrysler, que fabricava motores de avião, e o primeiro propulsor com este desenho de câmara (como veremos adiante) de combustão foi desenvolvido para outra lenda (desta vez da aviação) o caça Thunderbolt, o famoso P-47.

Na versão aeronáutica, este primeiro Hemi possuía 16 pistões, em distribuição radial, e 2.500 HP. Esta experiência com motores aeronáuticos permitiu aos engenheiros da Chrysler o domínio da tecnologia para produção de cabeçotes hemisféricos com a perfeita geometria para abrigar as duas válvulas (admissão e escape).

Só fazendo um parênteses histórico e que reforça a lenda. Foi a bordo dos P-47 que pilotos brasileiros em missões na Segunda Guerra Mundial provaram aos exércitos aliados grande habilidade, competência e coragem em missões nos céus da Itália.

Pois, foi todo este histórico de adrenalina, emoção e potência, que ajudou na construção da lenda dos motores Hemi, e acabou migrando para as pistas de competição nos anos 50.

Porém, ao longo dos anos, as séries mais recentes deste motor (inclusive a testada) já não apresentam mais as câmaras de combustão totalmente hemisféricas. Assim, a tecnologia mudou, mas a fama ficou agregada ao nome.



Um Hemi nas ruas

Em São Paulo, fomos ao encontro da “lenda” e o descobrimos abrigado no cofre de um 300C SRT8 ano 2009. Este modelo especial do 300C tem pretensões mais esportivas que o modelo “normal” e é desenvolvido por uma divisão especial de engenharia dentro da Chrysler que produz as versões “bravas” SRT (Sport, Road and Test), cuja sigla significa “esporte, estrada e teste”, numa tradução livre do inglês.

No SRT8, o motor é maior e mais potente, pois no 300C de série (também um Hemi) possui uma cilindrada de 5.7 litros e 340 HP, já na versão possui 6.1 litros e 430 HP, ganhos não só com o aumento da cilindrada, mas mediante outros detalhes apimentados que descreveremos posteriormente.

Mas antes de detalharmos o motor deste carro, vale a pena dividir com vocês as soluções que a engenharia da Chrysler teve de desenvolver para que toda esta “cavalaria” e torque (são 58 mkgf a 4.500 rpm) fosse domadas por um motorista comum.






Já no primeiro olhar chama a atenção, o tamanho das rodas (originais de fábrica) de aro 20 e bitola  245mm na dianteira e 255mm na traseira. Este modelo fica com a aparência ainda mais agressiva, pois está mais baixo (2 cm) que a versão de série e possui uma grade de design diferenciado e mais esportivo.

Completam o visual agressivo as pinças do sistema de freio Brembo em vermelho e superdimensionadas que saltam na vista lateral, além de um discreto aerofólio na tampa do porta-malas (que não é só decorativo, segundo a engenharia da Chrysler a ajuda na aerodinâmica em altas velocidades).

Depois desta avaliação externa, vamos para o inteiror do veículo, pois há mais novidades. Ao abrirmos a porta do motorista, já identificamos os bancos esportivos Recaro, do tipo envolventes e com regulagens elétricas e a insígnia SRT gravada.

No painel, portas e console central exibem aplicações de fibra de carbono, que confirmam a veia esportiva do modelo.

Mas a grande novidade para os motoristas com pretensões esportivas está no computador de bordo que oferece um modo esportivo que mede: aceleração de 0 a 100, força “G” (isto mesmo caro leitor, é coisa de avião a jato!) e tempo de frenagem.

Pois esta “Disneylândia” de informações é uma fonte de diversão que aguça as pretensões (e tentações) esportivas do motorista.

Em nosso teste, conseguimos marcar a aceleração de 0 a 100 em 5 segundos, e 0,99 de força G!

A suspensão é bem mais dura do que a do modelo normal, o que se traduz em grande estabilidade e disposição para fazer curvas. O carro fica assentado no chão, a direção, apesar de hidráulica, é um pouco pesada, mas nada lenta.

Resumo da ópera: um sedã de 5 metros e duas toneladas, que acelera como um Porsche (graças ao Hemi embaixo do capô) e ao perfeito projeto de suspensões e rodas.

Quando assunto é freio, o superdimensionamento continua e os freios Brembo de seis pinças na frente e quatro atrás, apertando discos ventilados na frente e traseira de 360mm e 350mm respectivamente, que fazem um trabalho inacreditável.

É óbvio que o ABS completa o trabalho de frenagens seguras em espaços considerados curtos para um carro de duas toneladas.



Controle de tração preguiçoso

Basta se acomodar no assento do motorista, ajustar posição do banco e direção para você se sentir no comando de uma nave. Não há como não encontrar uma posição confortável para dirigir (ou pilotar?) em função de tantos ajustes.

Ao darmos a partida no motor, uma agradável surpresa, o sistema de escape, diferentemente do modelo original que privilegia o silencio, deixa vazar um pouquinho da agressividade do Hemi e nos brinda com um sonoro ronco esportivo, grave, porém, “redondo” típico dos “V”, que só “rasga” um pouco nas acelerações. Nada em demasia, mas já emociona e convida a pisar fundo.

Pois foi justamente isso que fizemos... Na primeira acelerada, uma surpresa, mesmo com o controle de tração ligado, o carro partiu arrastando os dois enormes pneus traseiros, levantando fumaça e partindo “de lado”. Isso mesmo, o controle de tração é deliciosamente preguiçoso! Pois esta regulagem do sistema, que pode provocar sustos em motoristas mais conservadores, é uma fonte de emoção para aqueles mais afoitos.

Aliás, neste sentido, aqui cabe outro parênteses, agora, para refletirmos sobre as diferenças construtivas e conceitos entre carros produzidos nos EUA e Europa (principalmente, os alemães). Pois os carros do velho mundo, até com potência maior do que o 300C SRT8 costumam trazer controles de trações tão atuantes que uma arrancada, como a que experimentamos com este dragster ianque, nunca aconteceria.

Mas as diferenças não param por aí, e fica claro que não por uma questão de tecnologia, pois duvidamos que as montadoras norte-americanas não disponham de uma tecnologia tão eficiente quanto as européias quando o assunto é controle de tração. Trata-se mesmo de uma questão que remonta a cultura dos engenheiros americanos, que se resume assim: se não patinar na arrancada não é um carro realmente potente, e a emoção de dirigir está na fumaça que os pneus geram... afinal, gosto é gosto e nós, particularmente, preferimos estes carros não tão obedientes.

Se divagarmos sobre diferenças construtivas entre carros americanos e europeus, vamos identificar outras diferenças construtivas (estilo, tamanho, peso, suspensões, tração, etc.), que deixam claro, que muito mais do que questões de engenharia, o que está em jogo na disputa entre o velho e novo continente é a cultura e preferência dos motoristas. Este 3000C SRT8 é um exemplo disso, um carro totalmente americano. Ainda que na origem deste projeto encontrássemos traços do Mercedes classe E, pois o 300C foi concebido pela Chrysler quando esta pertencia a Daimler.

Acho que vocês querem saber o resultado da acelerada, não é mesmo? Na primeira tentativa e medida pelo computador de bordo, conseguimos chegar aos 100 km em apenas 5 segundos!

Como grudamos no banco, fomos avaliar a força G no acelerômetro do próprio computador e lá estava a resposta para a força que nos grudou ao banco: o instrumento registrou 1 g na acelerada!

Ou seja, se pesamos 80 quilos, esta massa, que normalmente é sustentada pela base do assento, foi jogada contra o encosto. Pelas leis da física, no momento desta abarrancada, poderíamos dispensar a base do banco e continuaríamos fixos na posição pela força que nos joga contra o encosto. Isto é emoção pura, que só encontramos em brinquedos de parques de diversões e aviões de acrobacia, que assim como este SRT8, desafiam a gravidade!

Agora, o “senhor” motor

Depois deste breve relato sobre o conjunto do carro, chega a hora de dissecarmos o responsável por toda esta diversão, que é o nosso Hemi 6.1.

De posse da ficha técnica, mais uma vez fica evidente as diferenças culturais entre engenharia norte-americana e europeia. O Hemi é um motor moderno? De jeito nenhum, se avaliado pelo que carrega de tecnologia, mais parece peça de museu!

Não está acreditando? então vamos lá:

- Possui comando variável? Não e o que é pior e quase inacreditável, o motor usa um único comando de válvulas no bloco, varetas e balancins. Dá para acreditar nisso num motor fabricado em 2009? Coletor variável? Nem pensar, ainda que represente uma peça interessante de engenharia (veja detalhe da foto) é fixo como uma rocha.

Válvulas por cilindro? As duas básicas e essenciais, ainda que de medidas gigantescas e as de escape com refrigeração a sódio para dissipar o calor gerado pelas explosões. As câmaras hemisféricas nos cilindros são de quase 758 cm cúbicos cada.

O único detalhe que podemos considerar mais atual se refere ao sistema de ignição que adota duas velas por cilindro, o que torna a queima mais uniforme e eficiente impactando diretamente em menores emissões de gases.

A cilindrada do V8 é de precisamente 6.058 cm3 o que, nesta configuração arcaica, gera 430 HP a 6.200 rpm e um torque de 48 mkgf a 4.500, resultando em uma potência específica de 71 HP por litro, o que não é grande coisa quando comparado com o 100 HP por litro de um Honda Civic VTI 1.6 que totaliza 160HP.

Esta menor potência específica do motor é resultado da baixa tecnologia aplicada. Porém, se traduz em durabilidade e confiabilidade por ser muito pouco exigido, deixando claro o superdimensionamento de sua estrutura, que, por sinal, é de ferro fundido à exceção dos cabeçotes.

Quanto ao consumo, se comparados a outros veículos esportivos e pesados, não faz feio e registra uma média de 5 km por litro na cidade e até 10 na estrada (pisando muito leve e na média de 90 km hora). Porém, quando você aperta o pedal direito, a emoção cobra seu preço na bomba de combustível...

No quesito consumo, cabe notar que o irmão menor deste motor, o Hemi 5.7 que equipa do 300C normal, a Chrysler instalou um dispositivo chamado “MDS – Multi Displacement System”, que corta 2 dos 8 cilindros, toda a vez que o motor não estiver sendo exigido, como em situações de tráfego em rodovia em velocidade constante. Este sistema não é aplicado neste Hemi 6.1, pois pode comprometer o desempenho em algumas situações de retomada, e desempenho é palavra de ordem na versão SRT8.









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